A apenas 18 km do centro de Ushuaia, próximo do acesso a estação de Ski Cerro Castor existe um grupo de trilhas chamado Senda Hacheros, que faz parte do que eles chamam por lá de Sendero Del Fin Del Mundo. É uma região maravilhosa na Terra do fogo rodeada de montanhas nevadas, como muitas outras que passamos na Patagônia, mas o “detalhe” especial que nos incentivou a percorrer essas trilhas era achar o Refúgio Cerro Bonete.
A Senda Hacheros
A Senda Hacheros possui 3 trilhas interligadas:
- Para o Rio Olívia com 3.8km
- Para o Rio Lasifashj com 10.4km
- Para a Cascata Beban com 5.4km (distancias de ida apenas).
Para contextualizar um pouco o nosso momento, era meados de outubro e depois de 3 meses de estrada, muitos lugares percorridos, e o grande desafio de passar a gestação da Marcela viajando de carro pela América do Sul, chegar em Ushuaia representava uma super conquista para nós e isso mexeu bastante com a Má. Ela estava super emotiva e apesar de continuar sempre forte e com uma disposição incrível, sentia o “peso” das limitações do novo corpo, desconfortos da gravidez e da mudança de vida que estava por vir. Somado a isso, a sensação de dever cumprido de ter conseguido chegar até aqui carregando a Gabi e saber que a partir desse momento começaríamos a nossa longa volta para São Paulo era um rio de sentimentos.
Nós não tínhamos mais planos de fazer trilhas com pernoites e mochilas cargueiras, depois das longas trilhas que fizemos no Parque Los Glaciares em El Chalten, decidimos que ali era o momento de parar com as atividades mais intensas. Porem pesquisando sobre a região da Terra do Fogo, me deparei com uma foto linda de um pequeno abrigo de madeira na base de uma montanha, rodeado de neve, com uma chaminé soltando fumaça de lenha queimada. Naquele instante percebi que era um lugar assim que deveríamos estar nesse momento.
Trilha para o Refúgio Cerro Bonete
Acordamos no dia seguinte em Ushuaia, colocamos tudo no carro e partimos. Enquanto cruzávamos a cidade, comentei sobre cabana e mostrei a foto para a Má.
– Vamos? O lugar parece bem especial… Ela topou na mesma hora sem hesitar. Uma hora depois já estávamos parados na beira de estrada, colocando as roupas de trekking, preparando as mochilas com as comidas e demais equipamentos!
Deixamos o carro estacionado ali mesmo e entramos na trilha sentido Cascata Beban, para pegar um pequeno desvio e chegar no Refúgio Cerro Bonete, na base do Cerro Bonete! Seriam então apenas 5 Km com 170 metros de subida acumulada.
Logo no início cruzamos uma ponte de madeira sobre um riacho cheio de represas feito por castores e seguimos por uma trilha larga, com alguns trechos de neve e muita lama causada pelo derretimento do gelo. Um pouco mais a frente avistamos uma pessoa vindo no sentido contrário. Era um mochileiro do Uruguai que tinha ficado 15 dias morando no refúgio!
Muito simpático, nos contou um pouco sobre como era a vida na cabana, trocamos contatos e ele seguiu pela trilha. Uns 15 minutos de caminhada depois, escutamos um grito. Era ele chegando esbaforido. Voltou correndo para nos contar sobre alguns desvios na trilha, que tinha esquecido de comentar e que deveríamos estar atentos para conseguir chegar no refúgio! Super gente boa. Apesar de estarmos com a marcação do caminho do GPS, as referencias que ele deu sobre o caminho ajudaram bem.
1 hora depois, iniciamos uma subida longa e a Má começou a ficar bem cansada e a sentir um incomodo nas costas. A gente já tinha deixado a mochila dela leve (por volta de uns 7kg), mas realmente não dava mais para ela fazer caminhadas que tivesse peso para carregar e com subidas.
Eu peguei o mochilão dela, vesti na frente do meu peito e seguimos. Logo depois de um dos desvios avisados pelo nosso amigo, começamos uma descida até um vale que tinha um lindo lago congelado! Foi uma cena surreal pois chegamos lá durante o pôr do sol. Ficamos uns 10 minutos tirando fotos e contemplando aquela maravilha
Depois desse vale começamos uma subida na neve de uns 15 minutos e chegamos no Refúgio Cerro Bonete. Esse refúgio é uma pequena cabana no meio da floresta, pouco conhecida pelos turistas e que é mantida e conservada pelos próprios aventureiros que passam pelo local. Não se paga para usar e não é preciso reservar, a porta esta sempre aberta. É um lugar pequeno e muito simples, mas que carrega uma energia maravilhosa e aquela sensação de acolhimento assim que você entra na cabana.
Nela tem uma salamandra (um pequeno aquecedor de ferro á lenha), um fogão a gás (que não estava funcionando, pois estava a espera de alguém fazer a gentileza de levar um botijão de gás até lá), algumas panelas e alguns mantimentos deixados pelas pessoas. Tudo é de uso livre e o bacana é também contribuir de alguma forma antes de deixar o local. Ficamos sabendo que recentemente um grupo de trekkers tinha carregado pela trilha várias placas de madeira para recuperar o piso da cabana 😉
Não existe cama, você dorme no chão ou em um pequeno mezanino que cabem apenas 2 a 3 pessoas. E claro, como estamos falando da Patagônia, faz muitooooo frio, principalmente durante a noite então é preciso pegar bastante lenha e ir alimentando a salamandra ao longo da madrugada.
Ao entrar na cabana conhecemos os dois casais que estavam lá, dois argentinos e dois Israelenses. Os israelenses não eram muito de papo e logo saíram e foram montar a barraca fora do abrigo. Acho consideraram cheio de mais o lugar com a nossa chegada… O que foi ótimo pois teríamos assim mais espaço para colocarmos nossos isolantes infláveis e sleeping bags no chão.
Já os argentinos Estebam e Laura, logo a primeira vista reconheci um deles! Estebam é deficiente visual e quando visitamos o Glaciar Perito Moreno, próximo de El Calafate, fiquei muito impressionado com uma cena que vi de dois cegos caminhando pelas passarelas e escadarias que levavam aos “miradores”. Eles estavam ali sentindo o vento gelado no rosto e ouvindo o barulho do gelo se rompendo, enquanto todos (incluindo eu) estavam olhando para a geleira e tentando tirar a melhor foto. Me fez pensar muito sobre como nos conectamos com o agora e todas as sensações que o mundo e principalmente a natureza pode nos proporcionar.
Ele e o irmão estavam fazendo uma viagem pela Patagonia, e já estavam a meses na estrada. Durante a viagem, conheceu Laura, que mora em Ushuaia e que o convidou para passar um tempo com ela. Então o irmão seguiu para Torres del Paine e ele ao encontro dela. E assim ela trouxe ele para passar 2 noites no Refúgio Cerro Bonete. Foi uma grande coincidência encontra-lo novamente e esse fato tornou a nossa passagem pelo Refugio ainda mais especial.
Nos 4 compartilhamos toda a rotina do Refúgio Cerro Bonete, pegamos lenha, tocamos violão, fizemos comida juntos, fomos buscar água, e que por sinal era impressionante ver o Estebam caminhando em direção ao riacho em um terreno que era bem difícil de andar se guiando pelo som da água. Foi apenas uma noite no Refúgio, mas o suficiente para considerar um dos momentos mais mágicos da viagem!
E esse sim, foi o nosso último trekking carregando carga e com pernoite da nossa viagem pela América do Sul, a Marcela já estava com quase 7 meses de gravidez e com certeza fechamos com chave de ouro!
Informações gerais sobre a trilha para o Refúgio Cerro Bonete
Ganho de elevação: 170m
Distancia (ida e volta): 10km
Dificuldade de navegação: Fácil, o único momento de atenção é quando for sair da trilha principal para pegar sentido refúgio. Use o caminho do “meio”.
Como chegar no inicio da trilha: Ela inicia na beira da estrada (a Ruta 3). Existe um recuo no acostamento onde você pode encostar o carro.
Uma resposta para “Refúgio Cerro Bonete – Ushuaia”