Acho que um dos animais selvagens mais incríveis da América do Sul é a onça pintada, o maior felino das Américas. Muitas pessoas tem o sonho de um dia ver uma onça pintada no ambiente natural, mas não sabem direito como realiza lo. São várias questões: aonde ir, que época do ano, de que forma, por quanto tempo e etc. Então qual é o melhor lugar para ver onça pintada? É preciso ter muita sorte?
É preciso ter sorte sim, mas não muita… Na verdade só um pouquinho se você for para a Região de Porto Jofre no Pantanal Matogrossense!
Já estive algumas vezes no Pantanal, tanto no lado do Mato Grosso como do Mato Grosso do Sul, já cruzei a Estrada Parque que leva até Corumbá, fiquei em Hotéis Fazenda nos dois estados e fiz a Transpantaneira 2 vezes, mas para mim a menina dos olhos é a região de Porto Jofre, ponto final da rodovia Transpantaneira.
Uma vez, em um Hotel Fazenda perto Miranda no Mato Grosso do Sul (Fazenda San Francisco) em uma “focagem noturna” – passeio tradicional dos hotéis do Pantanal para observação de animais de hábitos noturnos – vi 2 onças pintadas, mas a experiência que tive em Porto Jofre foi muito mais especial, mais autentica e eu vou contar em detalhes nesse post como foi.
Fomos para lá durante nossa viagem de carro pela América do Sul. Reservamos um pacote de 3 dias e 2 noites em uma pousada simples localizada a 1 hora e meia de barco de Porto Jofre, subindo o Rio Cuiabá. Custou por volta de R$2.500,00 por pessoa, com tudo incluso. Bem caro, mas resolvemos literalmente “pagar para ver” pois nos garantiram que iriamos para um local isolado, no meio do pantanal e que a chance de ver a onça era enorme. E além disso, para chegar em Porto Jofre é preciso percorrer toda a Transpantareira, que por si só já é um passeio maravilhoso.
Rodovia Transpantaneira
A rodovia MT-060, conhecida como Transpantaneira, teve como projeto inicial ligar a cidade de Poconé no Mato Grosso com a cidade de Corumbá, já no Mato Grosso do Sul e divisa com a Bolívia. Seriam 397 km de estrada, cruzando o Pantanal de norte ao sul. A obra foi iniciada em 1972, seguindo o embalo do “milagre econômico” dos anos 70 e o sonho de levar “o progresso” para as regiões mais isoladas do país. Ela seguiu por 4 anos até atingir, após 145 km, a Vila São José, hoje Porto Jofre, nas margens do Rio Cuiabá. O desafio de construir uma imensa e cara ponte para transpor o rio foi tanto que a obra foi abandonada e nunca mais retomada.
Era um terreno tão difícil de construir uma rodovia, que foram necessárias 125 pontes de madeira só nesse trecho, se tornando a estrada com a maior concentração de pontes do mundo, além de criar um aterro elevado por toda linha da estrada, para que na época das chuvas, ela não fosse coberta pela água. O milagre econômico não ocorreu, mas disso sobrou uma estrada de terra, que cruza parte da maior era alagada do mundo e que leva para o coração do Pantanal.
1° Dia – Transpantaneira para Porto Jofre
Percorrer a Transpantaneira é como fazer um Safári. O aterramento que elevou a estrada, também impediu o fluxo natural da água e fez se formar lagoas, que ficam cheias mesmo no período de seca. Assim, concentrando muita vida animal na beira da estrada, bem próximo de nós.
Ficávamos o tempo todo com os olhos a procura dos animais e foi exatamente nesse dia que começou pra valer na Marcela aquela vontade de grávida de precisar fazer xixi o tempo todo, pois o útero começa a pressionar a bexiga. Isso fez a gente parar muito mais vezes, mas em uma estrada maravilhosa como essa e com quase ninguém passando, não foi nenhum problema, apenas mais oportunidades de tirar boas fotos. São milhares de pássaros e incontáveis jacarés, alem de veados campeiros, quatis, e com um pouco de sorte até ariranhas. Foram um pouco mais de 3 horas, até chegar em Porto Jofre.
Vila de Porto Jofre
A vila de Porto Jofre é minúscula, vimos não mais que 6 casas, todas voltadas para o rio. Não existem ruas, e os quintais vão se emendando uns nos outros. A vila vive 100% em função do turismo de observação de animais ao longo do Rio Cuiabá, e da pescaria, que funciona basicamente apenas na época de seca, que vai de maio a Setembro.
Estive uma vez lá em janeiro e não existia uma viva alma na cidade, tudo fechado. E claro, não existe posto de combustível, então é importante sair com o tanque cheio de Poconé.
De lá partem os barcos que fazem passeios de algumas horas de ida e volta de Porto Jofre e os barqueiros que levam até as pousadas isoladas rio a dentro e para os luxuosos barcos hotéis, repletos de gringos com aquelas lentes gigantescas a procura da foto perfeita da onça pintada. Paramos o carro e um representante da pousada veio nos receber, já dizendo
— Tinha uma sucuri aqui embaixo dessa escada de madeira. Por pouco vocês não chegam a tempo de ver!
Já fiquei empolgadíssimo com o que estava por vir! Pegamos as mochilas e descemos a escada que levava para o píer de madeira, procurando a tal da cobra, enquanto éramos apresentados ao barqueiro que iria nos levar para a pousada. Um pantaneiro de chapéu, com uma camiseta amarrada no rosto, todo protegido do sol e vestindo uma camisa camuflada.
Com um olhar tranquilo e meio tímido de quem não é de muitas palavras, nos cumprimentou e logo mostrou um maravilhoso isopor cheio de bebidas e gelo que estava dentro da voadeira de alumínio que seria nosso meio de transporte principal para as tentativas de ver os animais nos próximos dias.
Peguei uma cerveja e Má olhou para mim com aquele jeitinho lindo, tipo — Hoje pode né — e pegou uma também. Brindamos aquele momento especial e partimos! Em situações bem pontuais a Má se permite tomar alguma bebida alcoólica, e eu acho isso ótimo, pois é esse espirito, que antes de tudo, faz ela também se permitir estar aqui grávida no meio do nada, na parte mais isolada do Pantanal.
Subindo o Rio Cuiabá
Que sensação deliciosa de estar naquele lugar, navegando rio acima e cada vez mais se embrenhando no coração do Pantanal. Claro que logo começamos perguntar sobre como funcionavam as saídas de barco para procurar os animais, quantas vezes, quanto durava, e se tinha chance mesmo alta de ver onças. Ele respondeu muito superficialmente cada pergunta e de repente virou a voadeira bruscamente em direção a margem esquerda aonde tinha um desses barcos hotéis atracados.
Perguntei brincando — Viu uma onça?
Ele respondeu como se fosse a coisa mais comum do mundo — Acho que sim, na margem, próxima daquele barco ali.
Eu e a Marcela, olhamos na hora um para o outro com aquela cara de misto de alegria e surpresa. Caramba, não é possível, estamos a apenas 30 minutos navegando e vamos ver uma onça, será!?
E quando nos demos conta estavam lá, 2 onças pintadas caminhando na margem do rio descendo em direção a Porto Jofre! Era uma fêmea grande e um jovem “adolescente”. Se camuflavam perfeitamente conforme iam atravessando os arbustos e tinha que ter um olho bem treinado para perceber ela de longe.
Nosso barqueiro parecia bom nisso pelo jeito. Ele posicionava o barco sempre a frente contando que elas iriam aparecer novamente, e apareciam mesmo, conseguimos ângulos lindos. Passaram por trás do barco-hotel e deu para perceber que os turistas estavam comendo um lanche da tarde no restaurante e mal sabiam que tinham 2 onças passando a apenas 5 metros deles. Ficamos observando mais uns 5 minutos até elas desaparecerem por completo no meio da mata. Chegamos no píer da pousada, às 14:00 horas em êxtase, tinha sido um belo começo!
O lugar era bem simples e não tinha nada, apenas 3 casas aonde ficavam os quartos e 1 casa que era a cozinha e refeitório. Nós éramos os únicos hospedes e pelo jeito ninguém estavam esperando que chegássemos hoje. Quando nos levaram para o nosso quarto o cozinheiro estava dormindo no sofá da ante-sala e levantou rapidamente meio sem jeito, rssss.
Até ai beleza, mas estávamos morrendo de fome, pois não tínhamos almoçado e tivemos que esperar mais uns 40 minutos para eles se organizarem e prepararem algo para a gente comer. Enquanto isso, a Má ficou pirando no filhotinho de cachorro que ficava correndo para todo o lado e eu aproveitei o wifi para fazer um call para resolver uns assuntos da empresa.
Safari para ver onça pintada
Às 15:30 saímos para um novo safari fotográfico e depois de 2h30 navegando pelo Rio Cuiabá a procura das onças, sem sucesso, começamos a voltar. Quando de repente o barqueiro levanta e diz que viu uma onça correndo próximo da entrada de um igarapé mais a frente. Entramos nesse igarapé estreito de uns 3 metros de largura no máximo, bem devagar.
Ele desligou o motor um pouco, o barco continuou seguindo lentamente e o barulho da mata tomou conta do lugar. Estávamos já sob a penumbra da luz do pôr do sol e das sombras das árvores. Adentramos mais 50 metros e ela estava lá. Parada entre as arvores nos observando, já devia estar ali nos acompanhado há um bom tempo. Dava para ver apenas o seu rosto, mimetizado com as folhas e olhando fixo para nós. Literalmente a 2 metros de nós. Sentíamos uma certa segurança – talvez ilusória – por estarmos no barco, mas claramente quem estava no controle era onça.
Ela seguiu caminhando pela margem por mais uns 5 minutos até que a perdemos de vista. De repente escutamos um barulho alto de alguma coisa caindo na água. Era a onça que tinha acabado de dar um pulo para atravessar o igarapé há uns 10 metros de nós. Viramos o pequeno barco de alumínio para tentar continuar a segui la, mas ela já tinha desaparecido de vez na imensidão do Pantanal. Na verdade, ela que deve ter cansado de nos seguir e resolveu ir embora.
Voltamos para a pousada praticamente de noite, sob um céu de uma coloração alaranjada maravilhosa. Que dia incrível tinha sido esse! Tínhamos percorrido a Transpantaneira toda, estávamos ha algumas horas de barco do porto mais distante do Pantanal e além dos diversos animais que avistamos, tínhamos visto 3 onças!
2° Dia – Rio Cuiabá, Porto Jofre
Dia seguinte acordamos cedo, tomamos o café e já saímos de barco para mais um safári fotográfico em busca das onças. Os barqueiros se comunicavam entre eles via rádio compartilhando informações sobre as possíveis localizações dos felinos ou de algum animal mais difícil de ver. Tinham várias outras lanchas por lá também, cheia de turistas estrangeiros na sua maioria, e quando algum alerta surgia, passavam por nós como foguetes.
Os motores bem mais potentes que o nosso e confesso que muitas vezes quando chegávamos no ponto de avistamento eu ficava com a sensação de que estávamos “atrasados”, posicionados com o barco sempre mais distante, pois o espaço já estava lotado de barcos. Um desses chamados via rádio, era uma família de 5 ariranhas em uns galhos que estavam no meio do rio e para fora da água.
Depois de umas 3 horas, saímos do meio da confusão de barcos do ultimo local aonde supostamente teria uma onça e começamos a seguir em direção a parada para almoço, que não seria no hotel. Era uma surpresa conforme o barqueiro nos disse.
Navegamos por uns 15 minutos, viramos um cotovelo no rio e de repente o barqueiro olha para trás e vira o barco com tudo em direção a margem. Lá estava ela, uma linda onça pintada, parada no alto de uma ribanceira de areia na sombra de um grande Ipê!
Nos aproximamos devagar e ela começou a caminhar margeando rio acima. Pouco tempo depois alguns barcos nos viram observando a margem e começaram a se aproximar. 15 minutos mais tarde já tinham uns 8 barcos do nosso lado. Mas conseguimos nossos minutos exclusivos com o animal que renderam boas fotos! Ela tinha uma cicatriz no rosto que dava um toque ainda mais selvagem para a cena. No final das contas vale muito mais o olhar do barqueiro e a experiência dele na região do que a potencia da lancha…
A convite da operadora de turismo, para que a gente também conhecesse a versão luxo do turismo em Porto Jofre. Fomos levados para almoçar em um barco hotel, aquele que no dia anterior vimos as duas onças caminhando bem próximas dele. Realmente era um esquema de altíssimo padrão, quartos como em hotéis 5 estrelas, lanchas de alumínio com dois potentes motores para os safaris fotográficos e refeições bem mais elaboradas. Tinham 12 turistas americanos, todos com equipamentos profissionais de fotografia, lentes gigantescas e que tinham pago por volta de 10.000 dólares por esse roteiro de observação de animais no Brasil.
Almoçamos super bem, vimos as fotos maravilhosas tiradas por eles e voltamos para a nossa voadeira de alumínio. 30 minutos depois vimos outra cena linda, uma onça tentando puxar um enorme jacaré morto que estava na margem do rio em um barranco de terra. A onça segurava o animal com a boca e tentava arrastar para a mata, mas a erosão na margem era alta e ela deslizava para baixo com o peso do jacaré. Ela não era uma onça adulta e o jacaré parecia ser bem mais pesado do que ela. Acompanhamos umas quatro tentativas e vão e fomos embora. Com certeza durante a noite alguma outra onça adulta finalizaria esse serviço.
Depois de mais algumas horas navegando pelo Rio Cuiabá seguimos em direção a pousada novamente sob um lindo entardecer. No caminho percebi que a Má já estava super apertada para fazer xixi há algum tempo e pedi para o barqueiro encostar na margem. Descemos juntos e foi um xixi com um olho para o maravilhoso por do sol do pantanal e o outro para a mata, na tensão de que alguma onça poderia estar nos observando.
Chegando na pousada no jantar estava pronto e novos turistas recém chegados já estavam sentados na mesa. Era um grupo de “bird watching” – turismo focado na observação de pássaros – composto por pessoas do mundo todo e liderado por um americano que morava na Costa Rica e era um tipo de celebridade nesse assunto. Com certeza estavam no lugar certo para isso! O cara era bem brincalhão e entre uma piada e outra explicava sobre os pássaros da região, seus hábitos, sons que faziam e coisas assim. Eles ficariam 20 dias no Brasil e no roteiro tinha uma passagem por Ubatuba para observação dos pássaros da Mata Atlântica.
Acordamos no dia seguinte, fechamos a nossa mala, tomamos o café e nos despedimos da pousada saindo rumo a Porto Jofre para pegar o nosso carro e seguir nossa viagem. O trajeto até lá servia como o nosso ultimo safari no Pantanal e fomos agraciados com a visão de mais uma onça caminhando na sombra de algumas árvores próxima da margem de um igarapé.
Em praticamente em 2 dias e meio, vimos 7 onças pintadas! Com certeza esse é o melhor lugar para ver onças do mundo. Os moradores de lá disseram que nos últimos 5 anos a população desse felinos aumentou muito. E perguntando o porque que eles acham que isso aconteceu, me disseram que existiu um um programa do governo do estado que pagava para os fazendeiros o custo do gado morto por uma onça e assim diminuiu bem a matança desses animais. Sem falar que o turismo de estrangeiros se tornou extremamente rentável valendo muito mais a pena preservar esse animal. Nada como mexer no bolso das pessoas para criar consciência ambiental.
Dicas
Melhor época para ver onça pintada
Maio a Setembro
Como chegar
Vá até Poconé, que fica a 1:30 de Cuiabá e de lá siga pela Transpantaneira até o final. Nos ficamos uma noite antes em Poconé e saímos bem cedo no dia seguinte para curtir a estrada sem pressa.
Como gastar pouco
Vá com seu próprio carro até Porto Jofre, acampe no jardim de alguma pousada e faça o passeio de barco para observação de animais com algum dos barqueiros que ficam no píer. Se conseguir dividir com mais pessoas melhor ainda. O barco tem preço fixo normalmente.
Hospedagem em Poconé
Os hotéis de Poconé mais próximos da Transpantaneira são: o Hotel Canoas e o Hotel e Churrascaria Pantaneira. Eles são simples e sevem mesmo como pernoite para no dia seguinte acordar cedo e ir para a estrada. Eu já fiquei nos dois e preferi o Canoas.
Uma resposta para “Porto Jofre, o melhor lugar para ver onça pintada”