Vou contar nesse post a experiência que tive em 2017 escalando o Monte Elbrus pela rota Norte. Foi a minha segunda expedição para essa montanha. Em 2013 fui pela primeira vez para Rússia, juntamente com meu amigo Rodolfo, com o objetivo de escalar o Monte Elbrus. A maior montanha do continente Europeu, com 5.642 metros de altitude, e situada na cordilheira do Cáucaso, divisa com a Geórgia.
O plano era escalar pela rota sul, que é relativamente fácil comparada com outras montanhas e praticamente a única coisa que poderia impedir esse objetivo seria alguma condição climática desfavorável.
Era a primeira semana setembro, praticamente o final da temporada de escalada e foi exatamente isso que aconteceu! Entrou uma tempestade de neve durante a ascensão, pegamos um “whiteout” fortíssimo (isso é o oposto do “blackout” onde tudo fica branco e você perde totalmente a referência de direção, céu e chão), descemos as pressas para o base camp e ficamos os próximos 3 dias esperando o tempo melhorar. O que na verdade nunca aconteceu… e tivemos que voltar para casa sem nem ter feito a tentativa do ataque ao cume.
A experiência foi válida e ficou o aprendizado de que não existe montanha fácil e que saber aceitar uma eventual impossibilidade de cumprir seu objetivo de chegar no cume, talvez seja a mais importante das lições…
De volta para o Cáucaso!
Em julho de 2017, 4 anos depois, começa minha segunda expedição para escalar o Mount Elbrus. Meus companheiros de expedição foram: Jorg, um belga que escalou comigo o Aconcágua e que virou um grande amigo, sua namorada Nancy e o casal de amigos muito queridos Felipe e Isis. 5 amigos partindo para Rússia juntos para essa empreitada
Essa vez, diferentemente de 2013, optei por escalar o Monte Elbrus pela rota norte, que é muito mais longa, técnica e exigente fisicamente, mas muito menos visitada e autentica no estilo de montanhismo.
Diferença entre as duas rotas
Rota norte
- A expedição começa na base da montanha, à 2.500 metros de altitude (aonde fica o Base Camp)
- Outra grande diferença é que o dia do cume é preciso fazer uma ascensão de 1.800 metros, praticamente 3 vezes mais do que pela rota sul.
Rota sul
- A escalada começa no high camp (os famosos barrel huts) à 4.000 metros, e você chega lá de teleférico da estação de esqui.
- Dia do cume você ainda pode pegar um snowcat (um tipo de trator de neve) e subir até 4.500 metros de altitude e ai começar a escalada.
Ou seja, seria um belo desafio!
1° e 2° dia – Chegada em Kislovodsk e ida para o Base Camp
Pousamos em Mineralnye Vody e fomos direto para a cidade de Kislovodsk, apenas 1 hora de viagem, que é a cidade base para quem tenta escalar o Monte Elbrus pela rota norte. Lá conhecemos os outros integrantes da expedição: Alfonso (Singapura), Jacob (EUA), Suhaila (Síria), 5 austríacos e 2 russos, que se tornaram grandes amigos. Éramos 15 pessoas, com dois guias.
No dia seguinte pela manha partimos em uma Van 4×4 com destino ao nosso Base Camp, à 2.500 metros de altitude. Foram mais ou menos 3 horas de viagem, com um longo trecho de estrada de terra e um rio caudaloso para cruzar próximo do acampamento! Não parecia que a Van iria dar conta de atravessar, mas o 4×4 russo foi valente!
3° dia – Trekking para Mushroom Rocks
Nesse dia fizemos o nosso primeiro trekking para começar o processo de aclimatização, que consiste em basicamente subir até uma altitude superior e retornar para dormir em um local mais baixo. O caminho foi lindo e tivemos em boa parte do percurso o visual do Elbrus a nossa frente.
O local batizado de Mushroom Rocks fica a 3.100 metros de altitude e possui várias formações rochosas que lembram cogumelos. Chegamos, comemos o nosso lanche de trilha (um sandwich de mortadela, acho que era isso..), que por sinal estava com o pão todo mofado e óbvio que eu só percebi depois que já tinha comido tudo, vendo o lanche das outras pessoas! Começou chique a nossa alimentação: Sanduba de mortadela russa ao fungi 😉
4° dia – Trekking para o High Camp e retorno para o Base Camp
Esse foi um dia longo, tínhamos que fazer a primeira portagem de parte dos equipamentos para o High Camp, à 3.800 metros de altitude e descer para dormir novamente no Base Camp. Isso significou carregar entre 10-15kg 1.300 metros a cima por + – 15 km em 7hs.
Foi um trekking puxado, e o último trecho é o mais difícil. Muito inclinado e com rochas soltas que fazem você deslizar para baixo o tempo todo. Ao chegar, fiquei impressionado com o visual do lugar, muito gelo, o Mt Elbrus na sua frente, e você sempre acima das nuvens, é difícil não ficar hipnotizado com essa paisagem.
Deixamos os equipamentos, comemos o resto do lanche (essa vez olhei bem o “prazo de validade” do mesmo rss) e partimos de volta para o Base Camp sem peso nas mochilas! Mas, para tornar a descida não menos emocionante e sofrida do que a subida, pegamos uma chuva torrencial e com muitos raios o tempo todo!! Chegamos encharcados, mas com um lindo arco-íris nos recepcionando no base camp!
Uma das surpresas do Base Camp era que ele possuía um chuveiro! Que é um super luxo na montanha! Chegar após um dia pesado de trekking e poder tomar um banho quente é incrível. Quando você não tem a expectativa elevada sobre alguma coisa e já aceita verdadeiramente qualquer condição adversa que poderá surgir, as pequenas surpresas positivas e simples que aparecem ganham uma magnitude impressionante. Esse é um dos exemplos de porque eu considero o montanhismo uma experiência tão rica.
Percebemos que não somos “reféns” dos confortos da vida do nosso dia a dia, e ao mesmo tempo valorizamos cada pequeno detalhe com outro olhar. Usufruímos deles por opção, e não por que somos escravos desse “way of life”. Somos livres para aproveitar todos os prazeres de uma vida confortável, mas também somos livres para não te-los.
“Montani Semper Liberi” Montanhistas são sempre livres!
5° dia – Trekking para o High Camp (3.800 m)
Acordamos, tivemos o nosso clássico mingau de café da manha, colocamos na mochila todo o resto dos equipamentos que iríamos usar no resto da expedição (a minha mochila ficou com 16kg e era um peso que eu sabia que dava conta de carregar) e partimos para o High Camp! Desta vez para ficar por lá mesmo.
O trajeto foi o mesmo que havíamos percorrido no dia anterior, então não era nenhuma novidade, mas foi mentalmente mais difícil pelo fato de ja saber o que vinha pela frente.
O High Camp seria nossa nova casa pelos próximos 4 dias. Ficamos todos juntos em um alojamento de “lata” bem precário, mas pelo menos não precisamos ficar em barracas. Tínhamos espaço suficiente para todas as tralhas, era relativamente protegido do frio e dava para ficar em pé dentro (em barraca não rola claro). Parece besteira, mas ficar em pé é algo que facilita a vida nos acampamentos rsssss
6° dia- Escalada até Lenz Rock (4.800 m)
Hoje foi mais um dia para aclimatização e também serviria para testarmos todos os nossos equipamentos para o gelo, como: botas duplas, ice axe, grampons, roupas e etc.
Levamos 3 horas para subir os 1000 metros de desnível e 1 hora para descer, fomos muito bem na verdade. Chegamos novamente no high camp perto das 14:00 e estava bem quente. Deu para perceber bem a diferença da condição do gelo da geleira com o sol esquentando. O gelo estava muito mais quebradiço e era possível ver a água passando por baixo. A sensação que dava era de que o gelo iria romper a qualquer momento e você iria cair em um rio submerso. Isso acontece pois no trecho inicial da rota é preciso cruzar a ponta final de uma geleira. Ela não é perigosa, pois não é profunda pelo que os guias falaram, mas o Jorg afundou até a cintura em um momento em que o gelo se rompeu. Um pouco tenso, não dá para dizer que não era…
7° dia – Descanso e treinamento
Esse foi o dia de descansar antes do esperado momento de “Ataque ao cume”. De manhã, faríamos um treinamento com o Ice axe para reforçar as técnicas de controle de queda e acensão e a tarde seria livre para concentração e dormir cedo. O plano era sair no dia seguinte à 1:00 da madrugada!
Para aumentar a ansiedade o clima amanheceu péssimo! Nevando e muito frio! Na hora passou pela minha cabeça que aconteceria a mesma coisa que aconteceu em 2013! O clima vai mudar e não vamos poder escalar! Mas ao longo do dia foi melhorando e ao anoitecer a previsão de janela de tempo bom realmente se provou verdadeira! Agora era só esperar!
Deixei todos os equipamentos já preparados, mochila de ataque montada, e fui deitar praticamente já com a roupa que iria usar no dia seguinte. Tinha 4 horas de sono pela frente das quais talvez eu tenha conseguido dormir 2 horas.
8° dia – Ataque ao cume do Monte Elbrus
0:00 em ponto estávamos de pé! A orientação era já sair pronto do alojamento, ir para a tenda de café da manha, comer e à 1 hora começar a subida! Pontualmente iniciamos! Seria uma escalada de 1.800 metros de acensão e tínhamos um dead-line de ter que começar a descer às 13:00, não importando o local que estivéssemos.
O primeiro objetivo foi atingir novamente Lenz Rock. Levamos as mesmas 3 hs e de lá começamos a ver o nascer do sol. Maravilhoso! Descansamos uns 20 minutos e seguimos mais 1 hora para o local aonde era preciso começar a usar a corda de segurança, pois a partir desse trecho cruzaríamos um longo glaciar. Ligamos uns aos outros com uma corda como um procedimento de segurança em casos de quedas nas gretas (que são fissuras nas geleiras, que podem ser bem profundas).
Essas 4 primeiras horas foram bem difíceis, estava muito muito frio, com um vento forte trazendo uma neve fina e eu fiquei o tempo todo administrando o congelamento dos dedos dos pés e das mãos. Quando digo “administrando” é que de fato eles congelavam e eu tentava ressuscita-los mexendo os dedos constantemente para estimular a circulação sanguínea e me preocupando em usar os bastões de caminhada com as mãos para baixo para o sangue descer. Enfim, fiquei nesse vai e vem até o sol começar a parecer mais forte e esquentar um pouco.
O próximo objetivo era cruzar a geleira e chegar no saddle à 5.300 metros, local plano que separa o East Summit e o West Summit e que antecede a última longa pernada até o Cume. O nosso objetivo era o West Summit que é o mais alto. Não é muito mais alto, apenas 21 metros, mas é um desafio de esforço físico muito maior, leva 2 horas a mais para atingir.
Chegamos no colo da montanha depois de umas 7 horas já acumuladas de escala. Lá deixamos as mochilas e todo peso extra desnecessário e fomos rumo ao último trecho apenas com o Ice Axe e um dos bastões de caminhada. Esse trecho é bem inclinado e o Ice axe foi essencial.
Essas últimas 2 horas até o cume formam bem cansativas! Tinha bastante “transito” pois nesse local juntavam os montanhistas que tentavam escalar o Monte Elbrus pela rota norte e sul.
E finalmente depois de 10 horas de subida atingimos o cume da montanha mais alta da Europa, à 5642 metros de altitude! É sempre muito emocionante um momento com esse, você chora, fica feliz, se emociona com os seus amigos e companheiros de escala, sente adrenalina, tudo ao mesmo tempo!
A descida
Como a escalada só termina de fato quando você chega em segurança no acampamento, depois de uns 20 minutos já começamos a descida. Descer não é fácil, exige muito dos músculos das pernas já bem cansados e dos joelhos também. É preciso uma atenção re-dobrada para evitar quedas e é nesse momento que normalmente os acidentes acontecem, mas depois de 4 horas de descida e um total de 14hs de escalada, chegamos no High Camp novamente!
Celebração do cume do Monte Elbrus rota Norte
Comemoramos no jantar a conquista com um espumante russo oferecido gentilmente pela cozinheira do high camp! Brindamos com o mesmo entusiasmo o Jacob e a Suhaila que apesar de não terem conseguido chegar no cume, tiveram a força de ir até o seu limite e a bravura de escolher descer quando foi preciso, como verdadeiros montanhistas, chegando em segurança no High Camp.
A Suhaila por exemplo teve os olhos queimados devido a má qualidade dos goggles, além de ter sofrido muito com a altitude, tendo fortes sintomas de um possível edema cerebral, como: vómitos, alucinações e confusão mental. Descer imediatamente foi a melhor decisão!
Escalar o Monte Elbrus pela Rota Norte, foi uma experiência verdadeira de montanhismo, em todos os seus aspectos: logística, equipamentos, técnicas de gelo e esforço físico. É imensamente mais difícil do que a face sul e sem dúvida me deixou mais preparado para as próximas montanhas que virão!!
Se alguém quiser saber mais detalhes sobre a expedição Monte Elbrus Rota Norte, é só me escrever!
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